
Deitado em sua cama, ele lamentava a presença de sua constante companheira, a insônia. Os olhos abertos, fixos na lâmpada apagada do quarto, sinalizavam sua desistência de tentar dormir novamente.
O que lhe restava era organizar os pensamentos, que passavam pelo trabalho, lembravam as contas em atraso, pulavam para os problemas com o carro, mas sempre terminavam nela.
Ou melhor, na falta dela.
Há tempos não a via. Pelo calendário talvez não fosse muito, mas era mais que o suficiente. “Não existe medida para o vazio”, filosofava em silêncio.
Incomodava-o que, mesmo apagada, a lâmpada fluorescente às vezes piscava. O balançar da cortina graças à brisa que passava pela janela também era irritante. Parecia que tudo no quarto estava inquieto, que nada descansava naquele lugar.
Foi quando decidiu pensar somente nela. Certamente a mulher estaria dormindo, então, quem sabe, se ele concentrasse seus pensamentos poderia influenciar os sonhos que ela possivelmente estivesse tendo.
Riu da própria idiotice, mas aquela não foi a primeira torta do dia, nem a última da vida.
Passou a imaginar que estavam juntos no alto de um prédio, com a cidade inteira brilhando aos seus pés. Da rua, os sons do carro e o cheiro de gasolina. Ela vestia apenas dois brincos de pedras verdes; ele trazia em suas mãos dois copos de espumante. Lentamente as os prédios foram se apagando até só restaram as estrelas para iluminá-los.
Sentia que a vida poderia acabar pois não haveria felicidade maior a ser alcançada que aquela de estar ali, abraçado novamente com ela. Não havia mais movimento, o tempo deixou de correr e a paz era infinita até que despertador disparou a tocar.
Acordou surpreso. Já era hora de levantar. O patrão nosso de cada dia não deixaria de cobrar sua cota, mas isso não o inquietava mais. Estava pronto e disposto para viver a realidade como quer que ela se apresentasse.
Talvez ele nunca saiba o que ela sonhou, mas o que lhe importava é que agora sabia para onde levar seus pensamentos quando a noite chegasse.