- Oi.
- Oi, cara.
- Triste isso, hein?
- Ninguém esperava.
- Olha pra ele, até morto ficou bonitão.
- Não é a toa que diziam que, apesar de careca, ele era um gato.
- Mas também, quando abria a boca...
- Vixi, nem fale!
- Vai fazer falta. Menos nas peladas de terça, seja jogando no gol, seja apitando.
- Como juiz era um ladrão sem-vergonha. Como goleiro era só sem-vergonha.
- Verdade, ele só jogava porque era bonito.
- Só! Ele aproveitava do fato de parecer com o Gigio.
- Vem cá, você acha que ele era?
- Atleticano? Sim, apenas disfarçava que era flamenguista.
- Não, não isso... É que, você sabe, morando tantos anos ali naquela região, frequentador do Shopping Frei Caneca...
- Ah, isso! Acho que não, ele era casado.
- Isso não quer dizer nada, eu mesmo...
(23 segundos de silêncio constrangedor.)
- Oi, gente.
- Oi, cara, graças a Deus você chegou!
- Ãh?
- Nada não. Nós estávamos falando da falta que ele vai fazer.
- Sim, sim. É uma pena. Mas eu estou curioso pra saber como é que eles fizeram para acomodar aquele cabeção dentro do caixão.
- Ele tinha que ter um cabeção, senão não caberia aquela língua dentro da boca.
- Só! Falava pra caramba esse japonês! Lembra aquela vez que ele saiu numa sexta à noite, com um livro debaixo do braço, e quis nos convencer de que ia estudar?
- Também, depois que ele se atracou com a Godzila na frente de todo mundo, não podia mais dar bandeira!
- Foi naquele dia que ele subiu que nem o homem-aranha na parede do banheiro do bar, né?
- Ah, é! E quando os caras começaram a falar ele pegou aquela Brasília que ele tinha e saiu todo nervoso, dizendo "nessa quem se fudeu fui eu, nessa quem se fudeu foi eu"!
(Os três riem alto, alguém no fundo faz “shhhhh”.)
- Depois ele trocou a Brasília por aquele Lada vermelho, que ele trouxe lá da casa dele, em Ribeirão Preto.
- O famoso Lada no qual só se ouvia Ramones! Acho que o curso de Serviço Social inteiro andou naquele carro!
- Mas ele só levava pra passear, não comia ninguém.
- Que nem eu...
- Que nem eu...
- Que nem eu...
(Os três suspiram simultaneamente).
- Vamos tomar uma antes do enterro?
- Vamos sim. Podem deixar que eu pago.
- Tá cheio de grana assim?
- Mais ou menos. Tô com um cheque de cento e cinquenta reais que ele me deixou pra pegar um mototáxi...
-
* O texto acima é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com pessoas reais é mera coincidência. Agora, se a semelhança for com um bando de caras escrotos, então é sacanagem mesmo.
